Chamada de Artigos
Dossiê: CORPO, SEXO E HOMOEROTISMO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA E TARDIA
"Apesar de os estudos sobre a chamada sexualidade no mundo antigo terem ganhado destaque nas últimas décadas, esse ainda é um tema que encontra barreiras e resistências diante de tradições normativas e conservadoras, tanto em nosso país quanto no exterior. Contudo, isso não diminui a importância e a relevância de pesquisas que se concentram nos elementos culturais das chamadas sociedades antigas. Este dossiê temático tem como objetivo reunir pesquisadores e pesquisadoras que reflitam sobre o corpo, as relações de gênero e as representações do amor e do desejo entre pessoas do mesmo sexo, presentes em uma ampla gama de produções literárias e de cultura material, legadas pelos gregos e romanos dos períodos clássico e tardio. Por meio dessas fontes, o dossiê convida ao debate sobre a Grécia e Roma, sobre os períodos clássico e tardio da Antiguidade, sobre as relações de gênero e as articulações entre corpo e normas sociais, bem como sobre as possibilidades de investigação a partir de textos literários e da cultura material.”.
Organizado por:
Henrique Hamester Pause (GEMAM/PPGH/UFSM)
Rodrigo dos Santos Oliveira (GEMAM/PPGH/UFSM)
Vander Gabriel Camargo (PPGH/UFRGS)
Prazo para submissão de artigos:
31 de outubro de 2025.
Dossiê: A Antiguidade e suas recepções: diálogos entre passado e presente
Os estudos de Recepção voltados para a Antiguidade costumam ser organizados em duas principais linhas de análise. A primeira examina como o passado foi compreendido por pesquisadores de diversas origens e tradições historiográficas, considerando que as visões sobre o mundo antigo estão sempre condicionadas pelos contextos históricos e culturais em que foram elaboradas, tornando impossível dissociá-las desses ambientes. Esse tipo de abordagem percebe a escrita da história do mundo antigo como um fato histórico sujeito à temporalidade, entendendo-a em sua relação com o presente coetâneo à sua produção. A compreensão que Jean-Pierre Vernant tinha dos esforços de Pierre-Vidal Naquet – quando classificava sua obra como uma tentativa de “segurar, para além dos séculos, as duas pontas da corrente” (Vidal-Naquet, 2002: 14), referindo-se ao presente e ao passado – pode ser estendida à obra de vários outros historiadores do mundo antigo, como Arnaldo Momigliano, Moses I. Finley e François Hartog, por exemplo[1]. Essas abordagens históricas, ainda que não estritamente situadas no campo da Teoria da Recepção e não nomeadas como estudos desse domínio, podem ser entendidas em um quadro teórico muito similar, que só viria a ser formulado na década de 1990.
A segunda frente desses estudos de Recepção está relacionada à própria Teoria da Recepção, que surge no âmbito da Teoria Literária, especialmente vinculada à Estética da Recepçãoda Escola de Constança, liderada por Hans-Georg Gadamer, Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser, constituindo-se numa ferramenta importante para a compreensão dos modos como os leitores percebem/recebem os textos, conferindo-lhes sentidos e criando significados.
Os estudos de Recepção Clássica, que são um desdobramento da Teoria da Recepção, se desenvolveram principalmente no campo dos estudos literários da Antiguidade a partir da publicação da obra seminal Redeeming the Text: Latin Poetry and the Hermeneutics of Reception (1993), de Charles Martindale. Neste livro, Martindale defende a importância da hermenêutica da Recepção como uma metodologia essencial para os Estudos Clássicos, argumentando que o significado dos textos antigos está sempre ligado ao modo como foram lidos e interpretados ao longo do tempo, e que buscar um sentido original, isolado das interpretações posteriores, não é nem possível nem desejável.
O trabalho de Martindale significou uma virada teórica e crítica nos domínios da Literatura e da História da Antiguidade, especialmente por introduzir a ideia de que os estudos de recepção não são meros complementos, mas sim elementos fundamentais para esses campos. Ao aplicar procedimentos da teoria da recepção e da hermenêutica à poesia latina de Virgílio, Ovídio, Horácio e Lucano, Martindale critica a ideia de retorno a um significado primeiro, original dos textos clássicos (Martindale, 1993). Conferindo um papel ativo aos leitores/intérpretes das obras de poetas antigos, que lhes acresciam legibilidade e compreensões distintas ao longo da história, constituía-se uma “cadeia de recepção” (Martindale, 2006: 4), que não guardava relação de linearidade com as fontes originais, visto a impossibilidade de um escritor ou escritora de controlar a recepção de seu trabalho, o caráter de sua leitura e o uso que dele pode ser feito (Martindale, 1993: 3-4). Logo, as interpretações feitas dos clássicos se inseririam, para Martindale, nessa chave de compreensão (Martindale, 1993, p. 7), em “cadeias de recepções” ininterruptas, “carregadas de significados construídos ao longo do tempo, envolvendo o presente e o passado” (Silva; Funari, Garraffoni, 2020: 49) em dinâmicas que conferiam sentido a textos do passado no presente. Campo de pesquisa que se desdobra dos estudos de Recepção, é no âmbito dos “usos do passado” que se pretende desenvolver a presente proposta.
Os “usos do passado” podem ser entendidos como uma forma de recepção, entre outras, “na qual a mobilização/reutilização do passado assume um caráter pragmático e instrumental, tal como aquela levada a termo durante a Revolução Francesa (...), os diferentes nacionalismos (...) ou pelo nazifascismo (...)” (Silva, Funari & Garraffoni, 2020: 44). Segundo Klas-Göran Karlsson, os usos ordinários da história correspondem a valores fundamentais da vida, animadores da consciência histórica, ditos em termos de existência e identidade, moral e política de poder e ideologia (2011: 137), sempre mediados pela cultura, o que aduz a diferentes usos da história em um mesmo contexto ou em contextos distintos.
É a partir desse amplo espectro de orientações teóricas e metodológicas que surge a proposta de organização deste dossiê, cujo objetivo é reunir estudos de pesquisadores de diversas áreas do conhecimento — como história, filosofia, literatura e arqueologia — que promovam o diálogo entre presente e passado no âmbito dos estudos da Antiguidade e suas recepções. Pretendemos congregar tanto pesquisadores quanto estudantes de graduação e pós-graduação, visando destacar os interesses e contribuições no campo dos estudos de recepção da Antiguidade em diferentes níveis acadêmicos.
Serão especialmente valorizadas contribuições que apresentem abordagens teórico-metodológicas que evidenciem estudos de casos, pautados na interdisciplinaridade e no diálogo construtivo entre distintas áreas do conhecimento.
[1] Apesar de definir a produção historiográfica desses autores, o estudo de diferentes objetos ligados à Antiguidade, tratados a par e passo com diferentes tradições interpretativas a seu respeito – em uma dinâmica de construção do passado e do presente – pode ser percebido, sobretudo, em obras como Os gregos, os historiadores, a democracia – o grande desvio (Vidal-Naquet, [1990] 2002), As raízes clássicas da historiografia moderna (Momigliano, [1975] 2004), Escravidão antiga e ideologia moderna (Finley, [1980] 1991), La fabrique d’une nation. La France entre Rome et les Germains (2003) e O espelho de Heródoto (Hartog, 1999), por exemplo. No Brasil, historiadores da Antiguidade como Francisco Murari Pires, José Antônio Dabadab Trabulsi e Pedro Paulo Abreu Funari desenvolveram, sobretudo ao longo das últimas décadas, trabalhos inseridos nessa mesma perspectiva teórica.
Organizador: Glaydson José da Silva
Prazo: 30 de julho de 2026.